sábado, 25 de outubro de 2008

Artigo da Net.

EDUCAÇÃO CONTRA A EXCLUSÃO DIGITAL
Para Pierre Lévy, o problema do Brasil não é a falta de computadores, mas o analfabetismo.Marina Lemle
Cibercultura, o filósofo e escritor francês Pierre Lévy acredita que o Brasil não é um excluído digital do mundo moderno. Para ele, os números da informatização apontados pelo IBGE no censo 2000 são animadores. ''Para a inteligência coletiva, o principal obstáculo à participação não é a falta de computador, mas o analfabetismo e a falta de recursos culturais'', afirma.
Professor na Universidade de Ottawa, no Canadá, Lévy fará nesta quinta-feira, no Sesc de Vila Mariana, em São Paulo, uma conferência onde abordará seu tema favorito: as inteligências coletivas. O Sesc espera que a vinda de Lévy contribua para a formação e capacitação de agentes da alfabetização digital no Brasil.
Em seu último livro, Cyberdemocratie, ainda não traduzido para o português, o filósofo mapeia diversas experiências políticas, atividades militantes e comunidades virtuais na internet. Para ele, tais iniciativas promovem o desenvolvimento social e político do mundo contemporâneo. Nesta entrevista ao Jornal do Brasil, Lévy explica como a internet favorece a democracia e fala sobre o cenário da internet no Brasil.
Em Cyberdemocratie (Ciberdemocracia), o senhor explica que a internet aumenta a vigilância sobre as ações governamentais e políticas. Isso poderá resultar na diminuição da corrupção e em administrações mais corretas e democráticas?
- Acredito que as más ações sejam mais difíceis de se realizar quando se tornam publicamente visíveis. A internet decerto aumenta as possibilidades de informação e controle democrático sobre as ações governamentais, bem como sobre as grandes empresas e todos os poderes de um modo geral. É necessário compreender o crescimento da internet como o prosseguimento do nascimento e da extensão da esfera pública que se manifestou com o desenvolvimento sucessivo da imprensa, do rádio e da televisão. O conjunto da sociedade se tornou um pouco mais visível, mais transparente, e sobretudo, um número maior de pessoas puderam exprimir seus pontos de vista. A internet permite hoje que milhões de pessoas se dirijam a um vasto público internacional - pessoas que não teriam podido publicar suas idéias nas mídias clássicas como a edição em papel, nos jornais ou em televisão.
O senhor acredita que a internet levará a novas formas de organização política? Como ela afeta as divisões políticas e econômicas do mundo?
- A longo prazo, é possível que o uso da internet conduza a uma renovação da democracia participativa local e a formas de governo mundial mais eficazes do que as atuais. Evidentemente, nada disso acontecerá sem um comprometimento ativo dos cidadãos. A tecnologia se limita a abrir possibilidades. Somente a atuação das pessoas permite que elas se realizem bem. Já hoje em dia as ''cidades digitais'' que reforçam os elos sociais e políticos dos cidadãos do mesmo aglomerado alcançam algum sucesso. Cada vez mais há governos que prestam serviços administrativos por intermédio da internet. Também vemos cada vez mais movimentos políticos se organizando de maneira ágil, eficaz e pouco dispendiosa através da Grande Rede.
O senhor vem estudando o que chama de inteligências coletivas - comunidades virtuais e outras experiências e atividades on-line comunitárias em prol do desenvolvimento social e político mundial. Poderia comentar alguns exemplos bem sucedidos?
- Há inúmeros exemplos. As grandes empresas no mundo são em sua grande maioria comunidades virtuais: elas se comunicam via e-mail, possuem sites na web, intranet etc. Atualmente, ser uma comunidade virtual e aperfeiçoar seus processos de cooperação intelectual tornou-se a norma das empresas e das instituições em geral.
O IBGE revelou, no Censo 2000, que 10,6% das residências no país possuem microcomputador, sendo que 8% com acesso à internet. Dos lares com computador, 25,5% ficam no Distrito Federal (Brasília), 14,6% no Sudeste e 4,3% no Nordeste. Neste cenário de exclusão digital, o senhor acredita que iniciativas de inteligência coletiva possam dar certo? Quais tecnologias e métodos seriam indicados?
- Estes algarismos são muito animadores. Os índices de conexão eram muito piores há apenas dois ou três anos, e provavelmente se tornarão ainda melhores dentro de alguns anos. Aliás, o Brasil é bem mais conectado do que a maioria dos países da América Latina, para não mencionar a África. Acredito ser possível navegar na web e usar o correio eletrônico sem possuir um computador se houver uma política ambiciosa de equipar salas comunitárias abertas ao público nos bairros e regiões pobres. Pode-se citar como exemplo o que faz o Sesc no Brasil, mas também numerosas associações locais para lutar contra a exclusão digital.
O que falta, então?
- Para a inteligência coletiva, o principal obstáculo à participação não é a falta de computador, mas sim o analfabetismo e a falta de recursos culturais. É por isso que o esforço para a educação, a inovação pedagógica, a formação intelectual e o ''capital social'' são os fatores chave do desenvolvimento da inteligência coletiva.
Publicado originalmente no Jornal do Brasil, 26/08/2002 - Rio de Janeiro RJ.

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